quarta-feira, 27 de maio de 2009

Uma chamada para o mundo


Quando eu era miúdo, o sexo era tabu lá em casa. Pura e simplesmente não se falava sobre o assunto.

Ainda tenho presente a inédita sensação ao acordar de um sonho molhado. A descoberta do corpo, o despertar do prazer, faziam parte de uma aprendizagem muito íntima, quase secreta. Eu e os meus amigos comprávamos a famosa “Gina” e deliciávamo-nos a ver mulheres nuas. Na escola, a revista andava de mão-em-mão, originando apressadas e breves idas à casa de banho. Daí, aos risinhos histéricos das meninas que assistiam connosco aos filmes porno, foi um tirinho. Os filmes pornográficos surgiam da necessidade de algo mais, da natural vontade de aprender, da busca de respostas (achávamos nós) capazes de, heroicamente, nos levar à acção.

Em 1995, Larry Clark, sob a produção de Gus Van Sant, faz um filme chocante sobre a adolescência. Eu tinha 25 anos e fiquei perplexo com a maneira caótica como a vida e o mundo são abordados. Com apenas 12, 13 anos de idade, estes miúdos faziam coisas que eu, com a idade deles, não imaginava poder fazer. Sexo, sexo em grupo, com drogas e álcool à mistura, são assustadoramente banalizados. Pela primeira vez, o tema da SIDA é abordado no cinema, na perspectiva de uma adolescente que contraí o vírus e, na tentativa de evitar que a doença se propague, procura o seu parceiro sexual, para o alertar.

“Kids”, (1995), é o primeiro filme deste realizador, que nunca mais abandona este tema. Vale bem a pena ver Rosário Dawson, com apenas 16 anos, e Chloe Sevigny. O filme marcou-me de tal maneira, que me levou a ver “Bully” (2001), “Ken Park” (2002) e “Wassup Rockers” (2005).

Macacas me mordam!

Não há dúvida que estamos perante uma sociedade machista. Mas, mesmo assim, existe quem insista em criar heroínas para as grandes telas. E não, não estou a falar das namoradas do Demolidor ou do Batman, isso aí... Frank Agrama resolveu criar uma gorila "de peso", estou a falar de “Queen Kong”, 1976.

A história é, basicamente a mesma, em versão feminina, desta feita em jeito de sátira ao King Kong de 1933. A gorila Queen Kong vai apaixonar-se pelo protagonista da história, Ray Fay (Robin Askwith), protegendo-o dos perigos da selva. O trocadilho dos nomes acentua o tom irónico do filme, visto que a actriz Fay Wray era a “namorada” do King Kong. Embora Ray sinta alguma coisa pela gorila, não vai evitar que a raptem e a levem para a cidade.

Filme em tom de gozação, cómico/dramático, musical e com muitas mulheres quase despidas (algumas até valem a pena), chega a ser considerado um filme de culto para alguns cinéfilos menos exigentes.

terça-feira, 19 de maio de 2009

O menino dança?

Gosto imenso de ver filmes que me transportam para outros mundos. Consigo ver a vida sob outro prisma, imagino-me numa pele que não a minha. Fico fascinado com as diferenças de atitudes, os diferentes comportamentos culturais perante a educação, a família, a religião, a moral, o amor...

Nas minhas viagens pelo cinema-mundo, deparei-me com um filme que me tocou profundamente: "Os passos do amor" (Sipur Hatzi-Russi), escrito e realizado pelo israelita Eitan Anner, em 2006.

Chen (Vladimir Volov), filho de mãe russa e pai israelita, é um jovem que cresceu no seio da miscigenação cultural herdada dos pais. Rude e machista, o pai acha que a mulher nasceu para cuidar da casa e tomar conta dos filhos. A ambição de vida da mãe, que gosta de dançar, cantar e divertir-se, é criticada pelo marido, que vê nessa atitude o lado boémio daquele povo.

No dia em que comemoram anos de casados, o marido recusa-se a ir ao baile, e é Chen quem acompanha a mãe, sem imaginar as consequências que isso iria acarretar na sua vida. Surpreendido por um amor à primeira vista, ingressa secretamente na escola de dança, na expectativa de conquistar a bailarina russa que viu naquele dia, e cuja principal ambição é vencer o campeonato nacional. A escola, que é dirigida por um par de ex-bailarinos profissionais, é o único elo que os mantém unidos, enquanto casal.

Cha cha cha, rumba e valsa vão ser os condimentos principais neste drama sensível onde o prazer de "dançar por dançar" transcende todas as fronteiras.

domingo, 10 de maio de 2009

"Grande Vaca!"


Eu sou homem com H. Na sociedade em que vivo, o homem tem muito mais liberdade, pois mesmo que lhe "descubram a careca", não é tão mal visto. Por outro lado, se for a mulher a assumir uma atitude mais leviana ou tiver comportamentos menos expectáveis, automaticamente é criticada e rotulada de puta.

A perda de desejo é mais recorrente nas mulheres que nos homens. Deixem propor-vos o seguinte cenário: a mulher chega a casa e é constantemente ignorada sexualmente pelo marido. O sangue corre-lhe nas veias deixando-a excitada, sedenta de sexo. Beija-o e ele evita-a, preferindo a televisão. Tenta uma abordagem mais directa, e ele mostra-se indiferente. Passa um dia, uma semana, um mês e a sua frustração vai ganhando forma.

"Romance X" (1999), da francesa Catherine Breillat, fala-nos dos demónios interiores da sensual Marie (Caroline Ducey), em relação à sua vida conjugal e sexual. Casada com um modelo sem apetite sexual (por ela), a jovem decide "vingar-se", na tentativa de preencher um vazio, fruto de meses de jejum. Um filme explícito (cenas de sexo reais e cruas) sem ser pornográfico.

Eu quero ter mais respeito pelas mulheres, e por aquilo que elas possam escolher para a sua vida, mas sou muito Homem para o admitir. Confesso, porém, que este filme fez estremecer as minhas másculas convicções e deixou sérias questões a pairar na minha cabeça.

sábado, 9 de maio de 2009

Eu, viúva, 8 anos

Tenho oito anos. Sou uma menina extrovertida e gosto de brincar com as minhas bonecas. Tenho uma imaginação fértil, digna de uma criança da minha idade e adoro inventar histórias com os meus brinquedos. Faço teatros, mímicas e gosto de imitar vozes. Danço, canto, pulo e a minha energia parece não se gastar. Anseio pela chegada dos meus pais a casa para poder ouvir as novidades de mais um dia. Gosto de rir, de falar e de brincar com eles. Não tenho preocupações nem responsabilidades. Sou uma menina de oito anos.

Hoje vêm-me buscar. O meu pai perguntou-me se me lembrava de ter casado. Não sei o que isso quer dizer, nem quero saber. Tenho o meu próprio mundo, e isso basta-me.

Vão levar-me para longe dos meus pais e não me sinto preparada para tal. O meu suposto marido morreu e ninguém me explica o que está a acontecer. Adivinho que isso não é bom, não sei porquê, não entendo.

Entro numa casa onde só há mulheres. Que fazem elas ali? Onde estão os homens que deveriam tomar conta de nós? Onde está a felicidade destas pessoas que estão apenas à espera que o tempo passe? Não percebo.
Eu apenas quero brincar. Eu só tenho oito anos de idade.

"Água" (2005), da indiana Deepa Mehta é o último filme da trilogia Elementos, a que pertencem também "Fogo" (1996), e "Terra" (1998).

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Tatoos

Há filmes que, por uma razão ou por outra, cravaram a minha memória, sem que na altura entendesse a dimensão dessas marcas. Os anos passam e certos pormenores permanecem. Porquê? Simplesmente porque era o filme para ver naquele dia, àquela hora, naquele minuto.

“A Luz” (1987), do Maliano Souleymane Cissé, que vi no cinema ACS em Alvalade, foi um desses filmes. Pouco me lembro. Para além da fotografia, recordo vagamente a viagem de um homem com poderes mágicos. Nunca me esqueci do nome do realizador, do título do filme e da sensação de ter saído do cinema "iluminado".

“Café Bagdad”, realizado pelo Alemão Percy Adlon em 1987, foi outro dos casos. Ainda tenho presente as personagens do filme, as vidas de pessoas que encontramos todos os dias, mas cuja vulgaridade não nos leva a procurar conhecer mais a fundo como, por exemplo, a gorda Jasmin (Marianne Sagebrecht).



O pormenor da música de Ryuichi Sakamoto enfeitiçou-me no filme "Merry Christmas Mr. Lawrence" (1983), do realizador japonês Nagisa Oshima.




A cor dos filmes de Akira Kurosawa transmitiram-me sensações inesquecíveis. Pode parecer uma mera curiosidade, mas o facto de os filmes serem previamente desenhados em papel pelo realizador, não é puro acaso. Lembro-me de "obrigar" os meus pais e o meu irmão a ir ao cinema mundial ver o "RAN" (1985). Claro que aproveitaram as quase três horas de filme para dormir, enquanto eu me rendi às lutas de cores.

Nunca me hei-de esquecer da "maluqueira" de Terry Gilliam em "Brasil: o outro lado do sonho" (1985), bem como da soberba interpretação de Robert De Niro.

O primeiro filme dos Irmãos Coen, "Sangue por Sangue" (1984), foi, para mim, genial. Perfeito enredo filme Noir: marido-mulher-amante envolvidos em esquemas intensos, quase desprovido de luz (eu até tinha ideia do filme ser a preto e branco).

Pedro Almodovar e Carmen Maura fizeram-me, macabramente, sorrir com a desgraça alheia em "Que fiz eu para merecer isto" (1984).

E quem se esquece da nudez explícita de Valérie Kaprisky no filme do polaco Andrzej Zulawski, "A Mulher Pública" (1984)?

Enfim, poderia estar aqui a escrever páginas e páginas sobre pormenores que nunca me abandonaram em filmes que outrora vi. São esses pequenos-grandes nadas que os tornam especiais, autênticas tatuagens.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Brincar aos médicos

A forma como enfrentaríamos a morte das pessoas seria diferente se trabalhássemos com ela no dia-a-dia? Tornar-se-ia banal? A questão faz-nos pensar na maneira como abordamos o tema da morte. Morgues, cemitérios e agências funerárias tratam a morte por "tu". Médicos, bombeiros e soldados enfrentam-na todos os dias. Outros... "brincam" com ela.

Se te propusessem matar alguém, quem matarias? Será mesmo preciso uma razão para matar? Ou qualquer motivo serve? Como animais que somos, fará parte da natureza humana?

Patologia (2008) - derivado do grego pathos, sofrimento, doença, e logia, ciência, estudo - de Marc Schoelermann, é um filme extraordinário e inquietante. O início do filme remete para uma possível realidade passada numa morgue, e desafia o bom senso, no sentido em que os cadáveres são tratados como brinquedos de carne e osso. Um grupo de jovens médicos-legistas entra numa escalada competitiva, um verdadeiro "jogo", para conseguir determinar as causas da morte. A rivalidade entre colegas obriga a um despique constante para eleger aquele que consegue descobrir a razão do corpo estar sem vida. Mas, a certa altura, o grau de exigência das autópsias deixa de ser desafiante, e a busca de novos estímulos leva-os a estados alucinantes e inconscientes. Há que subir de patamar.

"Let's take a look inside"?