terça-feira, 30 de junho de 2009

Cabeça no ar


Acho que já não sou tão aéreo como antes. Sempre me debati, no sentido de lutar para manter a concentração. Durante as aulas, fazia um esforço para não ceder à facilidade com que me alheava, perdendo-me em mundos imaginários.

Através da janela, via um avião e lá ia eu... Pilotava um caça F16 e combatia os inimigos, fazia loopings com o meu "viper" a uma velocidade supersónica e voava até ao porta-aviões onde aterrava como um verdadeiro herói. A fuzelagem do meu Fighting Falcon estava orgulhosamente coberta de cruzes, que correspondiam ao número de aviões abatidos. Nunca cheguei a contá-los, por culpa da maldita professora de matemática que insistia em me fazer "descer" ao quadro, transformando as minhas cruzinhas em símbolos de somar e multiplicar. Ela e os meus sonhos nunca se compatibilizaram. Eu e a matemática também não.

É bom sonhar acordado, mas daí a ter um coelho gigante a anunciar o apocalipse, ultrapassa qualquer barreira cósmica! “Donnie Darko” (2001), do americano Richard Kelly, transporta-nos a uma pequena cidade, onde Jake Gyllenhaal dá vida a um miúdo que sofre de transtornos do foro neurológico, delírios e súbitas fugas à realidade. Ao evitar que a personagem (Donnie Darko) seja esmagada por uma turbina de avião enquanto dorme, o coelho gigante - Frank - encarna a pele de uma divindade que lhe poupou a vida. Alucinação ou não, o coelho irá acompanhar o rapaz para todo lado, obrigando-o a tomar medidas (no mínimo) censuráveis, ao mesmo tempo que profetisa o fim do mundo.

O mundo da Lua continua a fazer-me sonhar. Dai-me asas para voar, meu Deus! Mas permita-me, sempre, ter o discernimento para nunca as deixar queimar.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Menino de coro


Toda a minha vida tenho sido um tipo distante, frio e arrogante perante os outros. Nas festas, nos convívios sociais, no trabalho, se alguém fala comigo, até sou capaz de lhes responder, mas sem pôr de lado o ar altivo que me caracteriza e, sem esboçar um sorriso. Ignoro a presença de uns e desvio o olhar de outros. Tento concentrar-me em certos temas, faço um esforço para ouvir algumas pessoas, mas sem sucesso. Na escola fui suspenso duas vezes. Alguns professores prescindiam da minha presença destabilizadora, prometendo não me marcar falta, mas mesmo assim, não lhes fazendo falta nas aulas, consegui chumbar um ano por faltas. Fui expulso da catequese pela Dona Ângela, que argumentava que eu era uma má influência para os outros “cordeirinhos”. Na rua, atirava pedras, riscava os carros dos vizinhos e furava os pneus dos “stores”.

Quem ler esta descrição, há-de pensar: - porque é que o pai deste animal não o enfiou num colégio interno? Há-de achar que sou um selvagem, bárbaro e sem escrúpulos. Mas deixem que vos diga que… até não sou mau gajo.

“Cruel” (Ondskan 2003), nomeado para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2004, é a segunda longa-metragem do sueco Mikael Hafström. Propõe um amargurado olhar sobre os códigos sociais, a violência e o crescimento. Combina austeridade e fragilidade, sem estereotipos melodramáticos ou vícios de um típico “filme-choque”. O filme conta a história de Erik Ponti (Andreas Wilson), e a sua última oportunidade para se libertar de um passado de conflitos e violência. Mas o colégio é tudo menos um refúgio – aqui, o mal está sistematizado sob a forma da opressão.

Do que eu me livrei...


segunda-feira, 22 de junho de 2009

Uma questão de classe


O poder e o dinheiro sempre dividiram o ser humano. Segundo a visão marxista de mundo, a história da humanidade é a sucessão das lutas de classes, de forma que, sempre que uma classe dominada passa a assumir o papel de classe dominante, surge, em seu lugar uma nova classe dominada. Desde os nobres, ao clero e à emergente burguesia, não muito diferente dos chamados "Pato-bravos" do meu tempo, o dinheiro impulsionava o poder. A arraia-miúda sujeitava-se, bem ou mal, a ser governada. Com o desenvolvimento do sistema capitalista industrial, a estratificação das classes sociais segue a convenção baixa, média e alta.

Hoje, antigos cidadãos inexpressivos socio-economicamente, têm, pontualmente, vindo a ganhar uma crescente expressão na sociedade actual. Mas... e se a coisa corre mal? O que acontece se pegarmos num homem simples e lhe dermos dinheiro e poder? Ou se, pelo contrário, deixarmos um rico sem sustento? Qual será o comportamento de cada um deles?

"A experiência" (Das Experiment 2001) do alemão Oliver Hirschbiegel, realizador que viria a fazer o filme "A Queda" em 2004, traz-nos um estudo do comportamento humano numa situação específica. Vinte prisioneiros são escolhidos para fazerem parte de uma experiência socio-psicológica, a troco de dinheiro. São organizadas duas equipas: uma que representa os prisioneiros, a outra, os guardas. Mantidos numa zona afastada dentro da prisão, e com as regras do jogo definidas. Ao princípio tudo corre bem, mas a certa altura, o grupo que representa os guardas vai, inevitavelmente, abusar do poder que lhes foi conferido.

Esta experiência, inspirada em factos reais conduzidos por Philip Zimbardo da Universidade de Stanford numa prisão simulada em 1971, acabaria por revelar um duelo de poderes, que o filme comprova.

Resumo da ópera: nunca se deve julgar o comportamento das pessoas, pois nunca saberemos qual seria a nossa reacção numa situação similar.


quinta-feira, 18 de junho de 2009

Amo. Sou forte.


Às vezes sinto que estou a desperdiçar a minha vida. Sinto que não estou bem onde estou. Sinto que tenho imenso para dar ao mundo. No entanto, mantenho-me sentado à espera que o tempo passe. Nasci com jeito para fazer quase tudo, mas acabei por não fazer nada de jeito. Talvez devido ao meu feitío, não sei. Sonho. Sonho todos os dias em fazer alguma coisa que realmente goste, mas acordo, ponho o sonho de lado e volto à minha inerte vida sem interesse algum.

Cada um "escolhe" aquilo que quer fazer da sua vida, uns mais do que outros, bem sei, mas temos essa hipótese. Por isso, não tenho o direito de me queixar. Se estou onde estou, e não mudo, mea culpa.


Morvern Callar (Samantha Morton), caixa de supermercado numa remota cidade costeira na Escócia, acha que a vida deve ser levada da melhor maneira possível, com os meios que temos. Não nos devemos queixar, mas sim aproveitar. Um dia chega a casa, e dá com o namorado morto no chão. Tinha-se suicidado. Deixou-lhe uma mensagem que dizia “Amo-te. Sê forte”, um cartão de crédito e uma disquete, contendo o romance que acabara de escrever. Decide então publicar o livro, como se fosse da sua própria autoria.

“A viagem de Morvern Callar” (2002), da realizadora escocesa Lynne Ramsay, consegue transmitir a angústia e a solidão desta mulher, cuja capacidade de adaptação surpreende até a sua própria vida. O princípio do filme é desesperante, porque passamos 10 minutos a advinhá-la sentada no chão, onde o encarnado do sangue se mistura com uma árvore de natal decrépita e meia dúzia de presentes mal embrulhados. A soberba intrepretação de Samantha Morton na pele da rapariga que não aceita a morte do namorado, leva-a a viver a sua rotina, enquanto o corpo vai apodrecendo lá em casa, até que decide começar a sua viagem.

A viagem é a fuga à realidade. Haja quem possa…


quarta-feira, 17 de junho de 2009

O Rei manda

As mulheres queixam-se porque têm que trabalhar, tratar da casa, dos filhos e do marido. Dizem que não têm tempo para elas. Não vejo onde está o problema. Ontem não tivemos empregada, tinha de "ir ao Doutor!". Tocou-me a mim apanhar o meu filho no colégio e passar a correr no supermercado, antes de ir para casa. Fiz as camas, lavei as casas de banho e nisto, chega a carrinha com a minha filha. Entre brincadeiras, choros e amuos, lavei a loiça do pequeno-almoço, arrumei a cozinha, despejei os cinzeiros, ajeitei as almofadas dos sofás e aspirei a sala. Parei a meio para enfiar os putos na banheira e aproveitei para preparar o jantar. Acabei de limpar tudo e tirei-os já enrugados do banho. Vesti-lhes os pijamas e escolhi um filme, enquanto fumava tranquilamente um cigarro. Tudo isto é possível quando a pessoa é organizada, disciplinada, metódica e não perde o comando da onda.


“A onda” (Die welle – 2008), título e símbolo do filme alemão, dirigido por Dennis Gansel, mostra-nos como é fácil levar um conjunto de pessoas a acreditar em determinados paradigmas, levando-as a cometer as maiores atrocidades em defesa desses ideais.

Contrariando as suas convicções ideológicas, o tema do projecto semanal imposto ao professor Rainer Wenger (Jürgen Vogel), em tempos defensor do modelo anarquista, vai ser a Autocracia. A descrença dos alunos na possibilidade de ver um regime fascista instalado na Alemanha dos dias de hoje, vai servir de desafio ao conhecido "Rainer". Desde logo, o professor dá lugar a um Herr Wenger, que simula um sistema de ensino autocrático, liderado por ele próprio, para lhes provar como é fácil incutir os benefícios da igualdade, da justiça e da ordem. Os mais tímidos sentem-se integrados e com força para enfrentar tudo e todos, antigas rivalidades deixam de existir e problemas xenófobo-raciais deixam de fazer sentido. O facto de não terem de pensar por eles próprios, integra-os e repousa-os.

Eu pelo meu lado, acho que isto da autocracia, funcionaria bem lá em casa.