quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Marca negra

Fui convidado a entrar. Não morri e tornei-me um deles.

O meu corpo tem o mesmo vigor e a mesma energia que tinha na altura em que fui mordido. Não sei a minha idade, já há muito que deixei de contar os anos. A verdade é que, para sobreviver, preciso de me alimentar preferencialmente de sangue humano. Fascina-me o poder da mutação e a capacidade de voar. Desaparecer no nevoeiro e nenhum espelho me ver. O lado oculto e místico sempre me enfeitiçou. Mas, acima de tudo, o poder de sedução que me faz atrair as mulheres capazes de saciar a minha sede.

Muito se fala acerca de vampiros, será que existem? Será apenas uma lenda? Histórias sobre vampiros são bastante antigas e aparecem na mitologia de muitos países, principalmente na Europa e no Médio Oriente, na mitologia da Suméria e da Mesopotânia, contudo as referências mais antigas a seres vampíricos vêm do folclore da Índia, Tibete e do Antigo Egipto. Mas, se eles não existissem, qual seria a finalidade em criar uma sociedade espiritual como Aset Ka? Sendo esta uma instituição ocultista responsável por manter a tradição Asetiana, é a principal referência relativamente a conhecimento vampírico e a mais influente ordem de vampiros a nível internacional. A Bíblia Asetiana, cuja versão de acesso público foi publicada em 2007 por esta sociedade, foi escrita por Luís Marques, um autor de origem portuguesa.


“Nosferatu (1922)” de Murnau; “Drácula (1931)” de Tod Browning; “Drácula (1958)” de Terence Fisher; “Drácula de Bram Stoker (1992)” de Francis Ford Coppola, são eternos filmes sobre este tema, mas, “Deixa-me entrar” (Låt den rätte komma in 2008), do realizador sueco Tomas Alfredson é, como disse Nuno Markl: “De vez em quando, lá vem um filme que deixa um tipo completamente abananado… Deixa-me entrar não me sai da cabeça”. Óskar (Kåre Hedebrant), um frágil rapaz de 12 anos, é agredido e ridicularizado regularmente pelos colegas, sem nunca se tentar defender. O desejo do solitário rapaz em ter forças para se vingar só parece concretizar-se quando conhece Eli (Lina Leandersson), da mesma idade, que se muda com o pai para o apartamento do lado. Eli é uma rapariga pálida e séria, que só sai de casa à noite e parece não ser afectada pelas temperaturas gélidas. Coincidindo com a sua chegada, surge também uma série de inexplicáveis desaparecimentos e assassínios…


segunda-feira, 16 de novembro de 2009

E o mau sou eu

São 08:30 da manhã. Saio de casa para ir trabalhar. Faço o mesmo percurso todos os dias, mas hoje foi diferente. Cheguei à auto-estrada e o trânsito estava caótico. Nunca tinha visto tal engarrafamento. Estou parado a 15 km da saída deste amontoado de carros. Só pensava nas pessoas que todos os dias fazem horas para chegar ao trabalho. Foi a primeira vez que apanhei 30 minutos de fila e já não aguentava mais. Apetecia-me bater em toda a gente, abrir caminho entre os carros e sair dali. Porque é que haviam de estar ali todas aquelas pessoas, à mesma hora que eu? Porra!

William Foster (Michael Douglas), começou o dia mais ou menos como eu. Num dia igual a todos os outros, William acordou, vestiu a camisa, pôs a gravata, e foi trabalhar. Entrou no carro e arrancou, para não tardar a ficar preso no tráfego. Pegou na sua pasta de executivo e fechou o carro, deixando-o no meio da via ignorando as buzinadelas dos outros condutores. William atingiu o limite. Passou-se com tudo aquilo que pode levar à loucura um homem comum tão igual a nós.

O ritmo de trabalho, as necessidades familiares, as exigências e as pressões da cidade, a ansiedade, a violência, a corrupção, acumulado a tantos pequenos nadas do quotidiano como o egoísmo, a falsidade, o consumismo, a insensatez e estupidez alheia, a publicidade enganosa, a comida de plástico põe-nos em ebulição. Foi o que lhe aconteceu neste dia escaldante. William ferveu no dia em que a sua maior preocupação era chegar a tempo de comemorar o aniversário da sua filha. Esse dia iria mudar a vida deste pacato homem de família, da mesma forma que alterou a minha admiração por Douglas pela maneira como encarnou a personagem.

Joel Schumacher assina, em 1993, “Um dia de raiva” (Falling down), um autêntico documento sociológico que, a meu ver, deveria ser estudado na escola. É preciso saber "desligar", aprender a passar por cima ou contornar as adversidades do dia-a-dia, para não cair na tentação de voltarmos aos nossos instintos mais primários.


terça-feira, 10 de novembro de 2009

Assustador



A droga é um problema real. Nunca me preocupei muito com isso. Toda a minha vida vivi com ela junto de mim sem nunca ter enveredado por aí. Claro que fumei charros, quem não o fez? Agora tenho dois filhos que crescem a uma velocidade alucinante e essa questão assalta a minha cabeça a cada dia que passa. Tenho visto de tudo e, não me venham dizer que isso só acontece aos outros, porque, seja qual for a educação, religião, nível social, o problema da droga não escolhe ricos ou pobres, pode bater à porta de qualquer um. Por isso sinto medo.

Considero que cannabis, heroína, cocaína, ecstasy, não são as únicas substâncias nocivas que levam à dependência. O álcool, o tabaco, os comprimidos para dormir, para não dormir, para acordar, emagrecer, ou mesmo para rir e nos sentirmos mais felizes, podem ser "drogas" tão ou mais viciantes quanto as outras. Os simpatizantes de policonsumos (associações de substâncias ilícitas e/ou lícitas), muito em voga nas camadas mais novas, não se consideram toxicodependentes, mas são uma preocupação crescente na sociedade.



“A vida não é um sonho” (Requiem for a dream 2000), do argumentista/realizador americano Darren Aronofsky, é um filme sobre essa realidade. Sara Goldfarb (Ellen Burstyn), é uma mulher solitária que encontra o sentido da vida numa possível ida a um concurso televisivo. Para caber no seu melhor vestido vai ter de emagrecer rapidamente tomando comprimidos (ácidos) para atingir o seu objectivo. Harry Goldfarb (Jared Leto), a sua namorada Marion (Jennifer Connelly) e o seu amigo Tyrone (Marlon Wayans), só têm uma coisa em comum: apesar de consumidores, nunca admitem estar “agarrados”. À medida que o tempo vai passando a dependência deles vai sendo cada vez mais evidente, nem Tyrone sai daquela vida, nem Harry ajuda a cumprir o sonho de Marion. E de repente vêem-se a fazer coisas que jamais fariam em condições normais.
20 prémios e 33 nomeações uma delas para o Óscar da Academia para melhor actriz (Ellen Burstyn), reconheceu a esta longa-metragem o seu devido valor.

Eu gostava que os meus filhos vissem este filme, mas com que idade serão eles capazes de sentir o mau-estar, a sensação de impotência que eu senti durante o filme? Qual é a altura certa para eles perceberem a degradação a que estamos sujeitos a partir da primeira experiência? Só senti o buraco no peito com que fiquei no fim do filme quando li "Viagem ao mundo da droga” de Charles Duchaussois. Que idade teria eu?

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Mais um... menos um


Existem realidades que nos passam completamente ao lado. Nós queixávamo-nos que os professores não prestavam, que as aulas eram uma “seca”, que a matéria não interessava. Quando os “stores” faltavam, era uma festa, ía-mos para o recreio jogar à bola, ao pião ou, se conseguíssemos que algumas raparigas nos acompanhassem, jogávamos ao bate pé. Tudo servia de desculpa para não ir às aulas. Constantemente esperávamos pelo segundo toque para subir, sempre eram uns minutinhos a menos…

Pois é. O facto é que tínhamos aulas, professores, contínuos, carteiras, canetas e cadernos para poder escrever, pintar, fazer contas. Quadros, giz e apagadores (que muitas das vezes serviam como arma de arremesso). Mas em certos sítios nada disso existe.

Quando o professor da escola primária de Shuiquan tem de se ausentar durante um mês é preciso encontrar alguém que o substitua. O responsável da aldeia procura nas redondezas quem o possa fazer, mas a única pessoa disponível para o trabalho é Wei Minzhi (Wei Minzhi), uma rapariga de 13 anos. A única coisa que o professor lhe pede é que não perca nenhum aluno. Mas, a vida não vai ser nada fácil para esta substituta, pois logo no primeiro dia fica sem uma aluna que aceita um convite de outra escola. Mais tarde, volta a perder outro aluno que parte para a cidade afim de arranjar trabalho, pois a mãe é doente e as dívidas são mais que muitas. A determinação de Wei é forte, e ela tudo fará para o trazer de volta.

“Nenhum a menos” (Yi ge dou bu neng shao 1999), filme em jeito de documentário do realizador chinês Zhang Yimou e primeira produção do ramo asiático da Sony, a Columbia Pictures Film Production Ásia, traz-nos um filme simples acerca de uma realidade existente no interior da china, tão real que os actores são pessoas normais filmadas no seu quatidiano.


sexta-feira, 6 de novembro de 2009

A surpresa da arte



Passei por uma galeria de arte e resolvi entrar. Uma nova exposição de um pintor, não me recordo do nome, acabara de inaugurar. Pasmado olhei as suas obras não as entendendo. Pregos enferrujados presos por fios de nylon, sobrevoavam uma paisagem de madeira meio ardida, pintada de branco e cor-de-laranja. Um dos quadros tinha por título “Jamais me ocorreu pensar em ti…”. Ok, obrigado, também não vou perder mais tempo contigo, pensei. Furioso, saí e fui-me embora.

Qual o limite para aquilo a que se chama arte? Quem tem o direito de dizer que uma coisa é arte e a outra não? E porquê?

Evelyn (Rachel Weisz), uma estudante de artes, conhece Adam (Paul Rudd), um atrofiado vigilante de um museu. Acha que ele tem potencial e começam um fervoroso namoro. Com o evoluir da relação, Adam, vai sofrendo uma tranformação, física e psicológica, que vai alterar toda a sua maneira de estar no meio social onde se insere. Phillip (Fred Weller) e principalmente Jenny (Gretchen Mol), seus únicos amigos, vão ser afectados por estas alterações de Adam. O ego de Adam está ao rubro até Evelyn apresentar o seu trabalho final de fim de curso, arrastando-o para um verdadeiro desmoronamento humano.

“A forma das coisas” (The shape of things 2003), é um filme baseado na peça de Neil LaButte e realizado pelo mesmo autor americano. Não é para mim uma obra prima, mas prima pela surpresa. Para quem vê milhares de filmes, como eu, não é fácil ser surpreendido.


Dormir de olhos abertos

Os meus pais tinham de fechar a porta à chave e retirá-la para eu não sair para a rua. Fartava-me de fazer coisas durante a noite e, de manhã, não me lembrava de nada. Certo dia, levantei-me, tomei banho, vesti-me e sentei-me à entrada da casa. Quando o meu pai acordou e me viu naquele estado, perguntou-me o que é que estava a fazer e eu, não fazia a mais pequena ideia. Como é possível uma pessoa tomar banho e nem assim acordar? Pois garanto que foi isso que me aconteceu.

O sono tem cinco estágios durante os quais as ondas cerebrais diminuem de intensidade até atingir um profundo estado de relaxamento. A baixa actividade mantém-se no hipotálamo, ligado à consciência, e no córtex cerebral, que controla os movimentos do corpo. No caso dos sonâmbulos, essas ondas, vindas de uma área do cérebro chamada ponte, são irregulares. Por isso não cumprem a contento a função de inibir a região motora. Como as áreas motoras permanecem activas, o sonâmbulo é capaz de se sentar, andar e trocar a roupa. Já a área relacionada com a consciência mantém-se quase inactiva. Isso explica que quem sofre desse distúrbio, não perceba o que faz nem se lembre de nada no dia seguinte.

Até onde nos pode levar o sonambulismo? O que é que uma pessoa é capaz de fazer neste estado?

“Transferência mortal” (Mortel transfert 2001), do francês Jean-Jacques Beineix, trata a história de Michel Durant (Jean-Hugues Anglade), um psicanalista que passa os dias no seu consultório a ouvir Olga Kubler (Helène de Fougerolles), uma perversa cleptomaníaca com tendências sadomasoquistas. De tal forma este assunto desperta Michel, que este acaba por adormecer nas consultas. Numa das sessões, enquanto “passava pelas brasas”, a paciente deixa-se matar. Quando o médico acorda e percebe que ela está morta e que foi asfixiada, vai ter alguns problemas para resolver: quem a matou? (as dores que tem nos braços podem levá-lo a pensar que terá sido ele); como se livrar do cadáver?; como não deixar a policia desconfiar de nada e como se desenvencilhar do marido de Olga que a procura incessantemente?



quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Memórias de sotão


Sempre julguei que, quando crescesse iria ser artista. Junto com os meus primos e com a ajuda de alguns tios, fazíamos teatros. Treinávamos e decorávamos os textos para, durante o fim-de-semana, apresentar aos crescidos. Desde a Cabra Cabrêz – salto-te em cima faço-te em três - até à Nau Catrineta, em que o meu irmão, que tinha apenas uma linha para dizer: “- Isto é demais para um guarda só!”, se enganava constantemente e dizia que era demais para um guarda-sol. E não pensem que era de qualquer maneira, não, vestíamo-nos a rigor com qualquer trapo que descobríssemos nos baús que existiam no sótão. Baús esses cheios de coisas antigas embrenhadas em mistérios passados, onde encontrávamos também o material necessário para a montagem dos cenários.

“Chansonia” era, para três amigos, o sonho de vida, como para nós eram aqueles teatros que fazíamos quando pequenos. Com a vitória da frente popular em França, decorre o ano de 1936, o pequeno gueto de Faubourg, é afectado pelo desemprego e pelas lutas sindicalistas, obrigando ao fecho do teatro de bairro. Pigoil (Gerard Jugnot), Milou (Clóvis Cornillac) e Jacky (Kad Merad), aliados a Deuce (Nora Arnezeder), vão lutar para que a Chansonia resista a estes tempos conturbados com a "ajuda" de Galapiat (Bernard-Pierre Donnadieu), o mafioso da vila. A vida de Pigoil ainda se complica mais quando lhe é retirada a custódia do filho e, para que possa resolver a situação, terá mesmo de arranjar trabalho.

Faubourg 36” (2008), do realizador francês Christophe Barratier que, em 2004, nos tinha surpreendido com uma obra soberba chamada “Os Coristas”, devolve-nos a esperança de que podemos alcançar qualquer coisa na vida, se quisermos, bastando para isso acreditar e não deixar morrer o sonho.